terça-feira, 25 de junho de 2013

Eles não são heróis

Muitos dos superdotados nem sequer são reconhecidos, pois são poucos os profissionais preparados para identificá-los. Além disso, sofrem discriminação por "serem diferentes"






Os superdotados não são os heróis das histórias em quadrinhos, que se distinguem das outras pessoas por possuírem poderes especiais. Não é nada disso. Eles não são obrigatoriamente brilhantes em todas as áreas do conhecimento e, ao contrário do que muitos pensam, enfrentam desafios de proporções tão altas quanto as habilidades que possuem.


Com poucas instituições especializadas e uma assistência ainda deficitária no País, muitos deles sequer são identificados. Também não é difícil imaginar quantos talentos são desperdiçados por não possuírem uma estrutura adequada para desenvolver todas as potencialidades que possuem.


A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que cerca de 5% da população possui altas habilidades e superdotação. No Brasil, segundo o Censo Escolar 2012, existem cerca de 11 mil estudantes com desempenho intelectual acima da média. Mas esse número pode ser bem maior. “As estimativas mais conservadoras indicam que temos cerca de 2,5 milhões de alunos matriculados nas escolas. Se considerarmos a população adulta, podemos afirmar, sem medo de errar, que temos, pelo menos, 9 milhões de brasileiros com altas habilidades”, diz a presidente do Conselho Brasileiro para Superdotação (ConBraSD), Susana Graciela Pérez.


Muitas vezes, comportamentos que caracterizam a superdotação, como curiosidade excessiva, gosto pelo desafio e rápido raciocínio – que contribui para que tenham enorme facilidade de aprendizado –, podem ser confundidos com hiperatividade, déficit de atenção e até mesmo falta de interesse. Durante a fase estudantil, esses alunos podem ser tratados como problemáticos ou indesejá-veis no ambiente escolar e familiar. Eles também podem sentir-se excluídos e a dificuldade de socialização pode ser uma das consequências. É também comum o desinteresse pela escola, por acharem as lições repetitivas e fáceis demais. Por isso, nem todos os superdotados vão bem no colégio, já que podem não prestar atenção nas aulas e terminam vistos como alunos-problema (o físico Albert Einstein, por exemplo, tinha dificuldades na infância ouviu de seu professor de grego que jamais chegaria a ser alguém). Não é raro abandonarem a escola e terem problemas sérios de baixa autoestima, por se sentirem deslocados.


“Essas pessoas não são identificadas porque não há informações e nem formação sobre o tema. Existem muitos mitos e muitos preconceitos que ainda impedem essa identificação”, completa Susana. Entre as características mais comuns, ela destaca a capacidade acima da média, criatividade elevada e alto comprometimento com a tarefa. Reconhecer as altas habilidades é o primeiro passo para pais e educadores conduzirem a educação dos filhos da melhor forma possível.


A facilidade em aprender e a habilidade para o desenho foram estimuladas pela família de Naura Matiussi, de 46 anos, desde cedo. Aos 4 ela já sabia ler e escrever. Durante as aulas de alfabetização, descobriu que conhecia todo o conteúdo. “Fiz uma provinha para avaliar o meu conhecimento e fui transferida para a 1ª série.” Autodidata, Naura tornou-se desenhista. Sempre com ótimas notas no colégio, garantiu bem cedo a aprovação no vestibular para psicologia.


Com a experiência própria e conhecimento de causa, Naura não tardou a perceber que o seu filho, Robson Luiz Matiussi Junior, também apresentava altas habilidades. “Quando ele ainda era bebê eu percebi que tinha capacidade acima da média. Estimulei sempre a fala e o desenvolvimento intelectual, com livros no dia a dia. Quando ele começou a pegar no lápis, percebi que também tinha facilidade para as artes”, contou. Robson também aprendeu a ler e escrever aos 4 anos. Durante a alfabetização, Naura viu a experiência pela qual passou se repetir com o filho. Ele foi adiantado e passou da alfabetização para a 2ª série. Hoje, aos 12, cursa o 9º ano (8ª série) do Ensino Fundamental.


Naura ressalta que, além de estimular os alunos superdotados, é importante fortalecer a autoestima. E essa autoestima pode ser comprometida quando educadores não são devidamente preparados para lidar com esses alunos. Ela percebeu o despreparo em uma das escolas onde o filho estudou. “A professora passou um assunto em sala de aula e ele questionou, falou que o conteúdo não estava correto. A reação dela não foi boa. Fui até a escola e, para a minha surpresa, a professora tinha feito um relatório, dizendo que meu filho atrapalhava a aula, desenhava durante as explicações, entre outras coisas. Ele sempre teve as melhores notas. Percebi que a escola não estava preparada.” Depois do episódio, Naura substituiu a escola do filho. Hoje, estuda em uma instituição que incentiva e estimula as suas capacidades.


Porém, poucos pais são suficientemente atentos e bem informados a ponto de conseguir intervir a tempo. Nos casos em que a criança não é o melhor aluno da sala, os problemas podem ser bem maiores.


“Um dos maiores gargalos nessa área diz respeito às dificuldades do sistema educacional para identificar os alunos superdotados ou talentosos, proporcionando-lhes serviços pedagógicos suplementares e especializados que os motivem a permanecer na escola e a desenvolver plenamente suas habilidades de destaque”, ressaltou o ministro da Pesca e Aquicultura, Marcelo Crivella. Ele é autor do projeto de Lei 254/2011, que propõe identificar, atender e cadastrar alunos com superdotação do ensino básico e superior de todo o País, para possibilitar a elaboração de políticas públicas efetivas.


O projeto foi aprovado pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado e deverá ser encaminhado em breve para a Câmara dos Deputados. “O Brasil carece de uma política de estímulo às pessoas com altas habilidades e superdotadas, para não desperdiçar talentos que poderiam contribuir, de maneira significativa, para o desenvolvimento nacional”, afirmou Crivella.


Esse é um grande passo para incentivar as pessoas talentosas e favorecer o reconhecimento de tantas outras no Brasil. Em países como a Espanha existe uma legislação específica para superdotação. Nos Estados Unidos, a maioria dos Estados têm programas que selecionam alunos por meio de testes. Identificados, eles recebem atendimento e estímulos específicos.


Personalidades como norte-americano Bill Gates, um dos fundadores da empresa Microsoft, e artistas como a cantora colombiana Shakira são exemplos de superdotados que souberam explorar as próprias potencialidades.


É importante considerar que o investimento em alunos com altas habilidades contribui para o enriquecimento da sociedade e, consequentemente, para o crescimento do País. Não se pode desperdiçar esses talentos.


Superdotação em diversos segmentos


As altas habilidades podem ser reconhecidas em diversas áreas do conhecimento


• Capacidade Intelectual Geral – Envolve rapidez de pensamento, compreensão e memória elevadas, capacidade de pensamento abstrato, curiosidade intelectual, poder excepcional de observação


• Aptidão Acadêmica Específica – Envolve atenção, concentração, motivação por disciplinas acadêmicas do seu interesse, capacidade de produção acadêmica, alta pontuação em testes acadêmicos e desempenho excepcional na escola


• Pensamento Criativo ou Produtivo – Refere-se à originalidade de pensamento, imaginação, capacidade de resolver problemas de forma diferente e inovadora, capacidade de perceber um tópico de muitas formas diferentes


• Capacidade de Liderança – Refere-se à sensibilidade interpessoal, atitude cooperativa, capacidade de resolver situações sociais complexas, poder de persuasão e de influência no grupo, habilidade de desenvolver uma interação produtiva com os demais


• Talento Especial para Artes – Envolve alto desempenho em artes plásticas, musicais, dramáticas, literárias ou cênicas (por exemplo, facilidade para expressar ideias visualmente; sensibilidade ao ritmo musical; facilidade em usar gestos e expressão facial para comunicar sentimentos)


• Capacidade Psicomotora – Refere-se ao desempenho superior em esportes e atividades físicas, velocidade, agilidade de movimentos, força, resistência, controle e coordenação motora fina e grossa


Altas Habilidades/Superdotação: Encorajando Potenciais (Ministério da Educação)

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