Hoje, aos 10 anos de idade, ele vive num abrigo para meninos ao lado de mais duas dezenas deles. Chegou lá aos 4, trazido pelo Conselho Tutelar de Carapicuíba, Grande São Paulo, com muitas marcas: físicas e na alma.
O pai o agredia constantemente. A mãe consentia ou, simplesmente, fingia não ver. Ambos eram viciados em bebida alcoólica e drogas. Ele mal se lembra, mas as marcas estão lá, todos sabem o seu passado.
Aliás, nesse mesmo lugar, a maioria tem um passado quase sempre de agressão, abandono ou abuso sexual.
A ineficiência quanto à punição dos culpados é clara; enquanto isso, crianças indefesas, e bem desproporcionais face aos agressores, têm sido vítimas a cada dia, a cada hora.
Proteção?
Agressões que veem exatamente daqueles que deveriam proteger, amparar, amar, como determina a Constituição Federal no seu artigo 227: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Mas as estatísticas comprovam que essa Constituição não tem sido cumprida em muitos lares.
Para se ter uma ideia, de acordo com o Ministério da Saúde, a violência sexual em crianças de 0 a 9 anos é o segundo maior tipo de violência mais característico nessa faixa etária, ficando pouco atrás apenas para as notificações de negligência e abandono. A conclusão é de um levantamento inédito do órgão que, em 2011, registrou 14.625 notificações de violência doméstica, sexual, física e outras agressões contra crianças menores de 10 anos.
Sobrevivente
Renato Mello é um sobrevivente dessas agressões, e uma das mais covardes que se tem registradas no Brasil. Ele virou ícone na luta contra a violência infantil e até escreveu um livro contando a sua triste história.
Agredido pela própria mãe desde bebê, Renato sobreviveu a diversos tipos de violência: sofreu queimaduras, teve o intestino lesado por chutes, o braço quebrado por torções, pedaços de pele arrancados por beliscões, uma verdadeira tortura a sangue frio por parte de alguém que deveria agir exatamente de forma contrária.
Quem ouve ou assiste ao seu depoimento sofre só de imaginar o que esse menino passou. É tenebroso, desumano, covarde.
“Não tinha parte do meu corpo sem machucado. Eu vivia ensanguentado e, pior, ela ainda me obrigava a lavar a minha própria roupa”, lembra.
A força do perdão
Aos 12 anos, Renato foi retirado de casa após uma denúncia contra a mãe. Passou por três lares, até conhecer Marisa, que lhe adotou, lhe deu amor, carinho, atenção e, sobretudo, mostrou-lhe o caminho da liberdade da alma: o perdão.
Demorou muito para Renato se livrar desses traumas, mas foi por meio da fé em Deus e liberando o perdão a quem lhe fez tanto mal que venceu os traumas, e hoje, ao lado da sua mãe de coração, ajuda outros jovens que passaram pelo mesmo trauma que ele: a violência.
É certo que não tem como apagar as marcas físicas, mas elas já não importam mais. Ficam na lembrança. Uma triste lembrança, mas superada pela fé e pelo perdão.
O papel da EBI
A Educação Bíblica Infantojuvenil (EBI) – que tem por objetivo levar educação cristã para as crianças e pré-adolescentes de forma dinâmica e atrativa, bem como dar apoio, suporte e orientação aos pais e responsáveis de como educar os seus filhos nos caminhos de Deus – é o local da Universal voltado a receber crianças de todas as idades e situações, e está presente em todos os templos.
É lá onde os pequeninos ficam enquanto os pais ou responsáveis participam dos cultos no salão principal. Porém, muito mais do que isso, é na EBI que é formada uma geração consciente de seus valores e responsabilidades. Com salas adaptadas a cada faixa etária, é ali que educadoras treinadas e preparadas cuidam das crianças e pré-adolescentes de uma forma bastante especial.
Mas muitas vezes, as educadoras se deparam com crianças que sofrem ou sofreram algum tipo de violência, como afirma Jucelia Freitas, coordenadora nacional do trabalho da EBI. De acordo com ela, assim que tomam conhecimento do fato, sempre chamam os responsáveis para conversar e procuram saber se eles têm conhecimento da violência que a criança sofreu.
“Na maioria das vezes a pessoa que está cuidando da criança, quando é parente, pega a guarda exatamente por desconfiar dos maus tratos, mas a maioria não denuncia. Geralmente essas pessoas são orientadas pela coordenadora (esposa de pastor) juntamente com o marido (pastor). As educadoras recebem da nossa parte direção para acompanhar as crianças, dando a elas suporte espiritual e afetivo – o que tem sido um grande aliado para ajudá-las a resolver os conflitos interiores”, esclarece.
Destacadas
Normalmente, as crianças vítimas de alguma violência, seja física, psicológica ou emocional, chegam à EBI apresentando um comportamento extremo – continua Jucelia – que vai desde agressividade à passividade, fazendo-as se destacar entre as demais.
“Já tivemos casos na EBI, e foi preciso um trabalho intensivo, regado de amor e paciência para poder ajudá-las. As crianças que sofrem violência física não são muito sociáveis e perdem a confiança nos adultos. Elas precisam perceber que aquela pessoa que está se aproximando dela a compreende e é diferente da que a agrediu”, explica.
Mas na maioria dos casos, a violência sofrida por algumas crianças que frequentam a EBI está mais relacionada ao emocional e ao psicológico, ressalta Jucelia: “É uma violência cometida pelos pais de forma involuntária, por acharem que estão ajudando os filhos. Alguns fazem cobranças excessivas por notas altas na escola, por um comportamento exemplar ao sair de casa – a criança não pode correr, brincar, nem fazer coisas de criança – para que os pais sejam visto como excelentes educadores (mas isso não tem nada a ver com malcriação).”
Tratamentos específicos
Em outros casos, a criança é levada a fazer balé, teatro, propagandas, cantar, entre outras inúmeras atividades, simplesmente porque os pais desejam isso; porém, ela não vê isso como diversão: “Nesse tipo de violência, tratamos não só da criança, mas também orientamos os pais, o que tem trazido grandes resultados.”
No caso de violência física, a coordenadora é enfática. “Cuidamos da criança e também orientamos o detentor da sua guarda a buscar os órgãos competentes e fazer a denúncia. Lembro-me bem do garoto L.S.C., de 7 anos, que agredia os colegas e as educadoras, fazendo daquilo uma diversão. Conquistei a confiança dele e descobri que ele era adotado e sofreu muitas agressões por parte dos antigos pais. A cabeça dele era cheia de cicatrizes, uma criança marcada pela violência”, lembra.
Jucélia diz que hoje ele é uma criança totalmente transformada, muito carinhosa, cheia de amor e ternura. “Como ele, temos vários outros exemplos que, infelizmente, não podemos divulgar nomes, nem imagem para preservá-los”, conclui.
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